Este artigo foi escrito há uns meses para uma publicação da Câmara Municipal da Guarda, na qual acabou por não entrar. Assim, fica agora aqui registado.
Porque razão se terá alguem lembrado de criar uma cidade a mil metros de altitude, onde nevava e fazia mais frio que em qualquer outro lado do país? A escassez de alimentos teria feito os povos migrar e adaptar-se; uma posição de altura física do lugar permitia vigiar os inimigos. Não sei até que ponto uma coisa será necessariamente consequência das outras, mas a Guarda permanece uma cidade invulgar. O frio já não é tão seco como antes, mas ainda se passam os Invernos por cima das nuvens, com Sol, de luz dura e sombras compridas. O frio não entra “pelos ossos adentro” como em sítios mais húmidos. Pelo contrário, parece mesmo saudável (aqui estava o Sanatório), como que enrijecendo a carne e esticando os ossos. È claro que só coberto de mantas ou semelhantes se pode aguentar, mas é ao mesmo tempo um frio picante, não propício à congelação mas à actividade corporal. Talvez assim se explique o boom de bandas na cidade – a certa altura haviam treze só de punk rock – e do “andamento” que sempre houve na Guarda. Outras cidades, mesmo com mais habitantes e menos isoladas, mantêm um nível de conformismo e de trivialidade da vida corrente que, aliados (obviamente!) a um clima ameno, as faz serem tão excitantes quanto pizza requentada. As pessoas aqui, por outro lado, ainda parecem meio selvagens e quanto a mim ter-se-há dado há não sei quantos anos um momento cósmico em que essa selvajaria se domesticou, entrando em contacto com o mundo do rock‘n’roll, e gerou o dito “andamento”, ou seja, o grupo único de pessoas, locais, bandas e demais actividades subversivas que ainda só por aqui se pode encontrar. É claro que o frio é o responsável, porque obriga toda a gente a estar em casa durante metade do ano. E como não há, em 99% das casas, nenhuma espécie de aquecimento central, também não se pode estar parado... Para se escapar ao frio há gente que ainda joga ao jogo do pau e ao jogo do beto, respectivamente a nossa “arte marcial”, brutal e arruaceira, e o nosso “baseball”, jogado só com paus e cheio de expressões incorrectas como o “estreves-te” e a “paneleirada”, só conhecidas dos iniciados. Enfim, não é uma terra para qualquer um, com esta mistura explosiva de cosmopolitismo e labreguice.
E esperemos que o frio da Guarda, na sua época própria, continue a dar-nos recordações inesquecíveis como ir de manhã para a escola sem casaco, estarem sete graus negativos e sentir “fresco”, as greves por causa do aquecimento que não funcionava e um ou outro personagem que andava sempre em manga curta...
Roma, 13 / 01 / 2005
30 de março de 2005
A culpa será do frio
posto pelo Alexandre às 13:32 6 comentários
29 de março de 2005
nao é o Pantheon, claro
mas sim a aula ottagona das Temas de Diocleziano, com a estrutura ligeira do antigo planeta'rio sobreposta.
posto pelo Alexandre às 16:39 0 comentários
A Odisseia de encontrar emprego
Como alguns sabem, em meados de Janeiro decidi deixar o meu emprego, pago, regular e num escritório de arquitectura conhecido para começar a trabalhar noutro escritório, pequeno, desconhecido e sem grande fantasia. Porque terei feito esta cretinice ainda hoje me pergunto: na altura parecia-me normal que a combinação de um bom salário (quase o dobro do anterior), o facto de estar no centro, à porta de casa (antes perdia 3h por dia em viagens, no mínimo) e a desorganização e filmaria geral do sítio onde estava o justificassem.
Passado um mês, como também é sabido pelos da casa, fiquei outra vez sem emprego (onde trabalhei sempre a meio tempo, logo sem receber grande coisa). Fiquei na pior situação possivel – à espera de encontrar trabalho como arquitecto em Roma.
Quarenta emails depois (sem exagero), começo a receber chamadas. Nova cretinice: oferecem-me emprego com um salário modesto e eu peço uns dias para pensar e tentar arranjar mais entrevistas. Mais uma vez parecia-me normal. Dois dias depois já tinham dado o emprego a outro, e a dizer que depois me telefonavam (até hoje). Passava os meus dias ora no NetCafé à porta de casa, que tinha uns ecrans tão pequenos que não se via a página toda, ora no NetCafé em Barberini. Ao mesmo tempo estava a ler um livro americano sobre management que dizia “Procurar emprego é em si mesmo um emprego a tempo inteiro” (brilhante!). Devo ter assediado todos os professores de projecto da Universidade onde fiz Erasmus (um disse-me, “há dez dias tinha-te dado emprego”). Mais uma semana e recebo uma chamada “O arquitecto X gostaria de vê-lo amanhã”. Lindo! Acabou-se a parasitice! Lavo-me todo, cara rapada, e lá vou eu de prova final, portfolio e caderno de viagens debaixo do braço. A entrevista é com ‘a zignora, a mulher do patrão. Isto já era um mau presságio. “Sente-se. Digo-lhe já que o escritório está completo, mas gostava de ver os seus trabalhos”. Lá volto eu para casa triste e desconsolado. Recebo um mail – “gostaríamos de lhe fazer uma entrevista. Contacte-nos”. Telefono e a resposta é “Hmmm... não sei nada disso. Apanhou-me desprevenida. Espere que quando o arquitecto voltar ao escritório eu pergunto-lhe e depois contacto-o”. Claro que nunca mais ligaram.
Bem, para não malhar mais no ceguinho, finalmente arranjei trabalho. Como? Telefonaram-me para mais uma entrevista, que fiz (um deles disse- “O único problema é que ele está habituado a ser pago...” – estranho hábito, este) e depois, a conselho da mamma da minha menina, estive A SEMANA TODA a telefonar para lá para saber se me tinham aceitado ou não, até que o chefe finalmente balbuciou “...si, va bene...” como se me estivesse a fazer o maior favor da vida dele.
Enfim, moral da história: para se conseguir alguma coisa em Roma é preciso tratar toda a gente “a calci in cullo”, por assim dizer, ao pontapé. Mas eu já sabia...
posto pelo Alexandre às 13:35 1 comentários
25 de março de 2005
palavroes italianos
accannare, deixar, no sentido mais pejorativo possivel. Quando alguem começa a falar de necrofilia durante uma refeiçao, os outros dizem-lhe: "Accannna, Aò!"para que se cale. Também se usa quando se deixa o namorado (e ai' entao é mesmo de uma labreguice tipicamente romana) - "Ho accannato la ragazza", "acabei com a minha namorada".
O titulo desta rubrica, alias, é que tem que ser accannato, por que estes italicos nao tem palavroes de jeito (nem acentos nos teclados). Vai passar a ser sobre giria romana.
posto pelo Alexandre às 09:35 0 comentários
24 de março de 2005
Porque é que este é o meu arquitecto preferido?
por tres coisas: a plasticidade, o pormenor e o rigor geométrico. Esta é uma foto do interior de S. Giovanni in Laterano, a catedral de Roma, que este senhor, Francesco Borromini, "recuperou". O original foi mandado construir por Constantino (sec. IV), mas o unico que se manteve desde essa época foram as dimensoes. Borromini tranformou um normal interior de basilica, estruturalmente simples, numa orgia de espaços justapostos que se contraem e dilatam alternadamente. Tudo isto expressado através de varias subversoes - inverter os capiteis corintios, fazer parar abruptamente ou continuar ininterruptamente as modanaturas. Continua a ser "classico", sem duvida, mas cerebral e emocionalmente violento (alem de que ele se deve divertido a desenha-lo, coisa que nao parece acontecer muitas vezes). E' o meu heroi.
posto pelo Alexandre às 14:57 2 comentários
23 de março de 2005
22 de março de 2005
21 de março de 2005
palavroes italianos
fregnaccia, de fregna, orgao sexual feminino, com a terminaçao pejorativa accia.
Problema pequeno mas irritante, como quando é preciso arranjar algumas linhas sobrepostas num desenho CAD, mas tambem coisas mais gerais, tipo os famosos "trabalhos de broche" do Porto. Muito utilizado por aqui. "Questo lavoro é proprio 'na fregnaccia!"
posto pelo Alexandre às 16:36 0 comentários
historia do dia
contaram-me hoje no escritorio. Parece que o mais conhecido arquitecto romano da actualidade (need I say more? é obvio que por razoes de ética e paninhos quentes nao se pode dizer o nome) tinha à porta dois agentes da guardia di finanzia mais dois homenzinhos com a farda a dizer Microsoft, para verificarem se o software estava legal. Pois, quem conhece o meio italico sabe que nestas coisas sao piores que o Zé Portuga, ou seja, como estava tudo ilegal (e nao se sabe como avisaram-no a tempo) foi ver os estagiarios a fugir do escritorio com os computadores debaixo do braço!Ora se este é o mais conhecido... por isso é que em Londres, que sao ricos, toda a gente usa programas de terceira categoria e aqui, pobres e mal agradecidos, se pode usar o AutoCad à vontade - nao ha' propriamente uma grande cultura de fazer cumprir a lei.
posto pelo Alexandre às 14:25 0 comentários
Grande!
o post de J Miranda no Blasfemias, "O caso Bombardier e a mentalidade socialista". Vou recomenda'-lo à minha senhora, depois de termos tido uma discussao sobre universidades publicas e privadas numa pizzaria em Trastevere (iamos acabando à facada). Diz tudo (o post, nao a discussao). E nao ha' maneira de por acentos nesta porcaria, se alguem souber diga por favor!
posto pelo Alexandre às 14:11 1 comentários
17 de março de 2005
Recomeço
Pois é, mudar de emprego é complicado, mas neste momento ja' consegui e ainda fiquei com um computador melhor e ligado à net rapida (ainda que nao tenha acentos!). Pois, mas o meu patrao tambem chegou. Um deles, o enegnheiro, e ja me esta' a chatear para lhe dar o pormenor do caixilho em aço "satinado" ou seja la' o que for. Até ja'.
posto pelo Alexandre às 14:55 0 comentários